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O meu avô era espetacular!




No fim de semana passado, fui convidada para uma festa de aniversário. Era uma festa especial porque o meu tio Carlos, irmão do meu avô Zé, fez 80 anos e é uma data bonita que merece ser comemorada.

Depois do almoço, fui convivendo com a família, já não estávamos todos juntos há algum tempo e desta vez até o meu mano cá está, ele voltou recentemente do Canadá. Falando com uns e com outros o meu tio disse que gostava de encontrar e mandar ampliar uma foto do seu avô, que ele não tinha, mas que sabia que havia essa foto porque a sua mãe minha bisavó a tinha guardada.

A minha bisavó era a minha avó São. Era linda a minha avó São, chamava-se Maria da Purificação porque tinha nascido no dia de Nossa Senhora da Purificação, 2 de fevereiro. Engraçado como nós sempre os conhecemos velhinhos e é difícil imaginá-los antes quando tinham a nossa idade ou quando eram jovens. Quando penso na minha avó São, recordo-me do cabelo branco, prateado, semi-curto e encaracolado. Lembro-me da sua face fofinha e suave e dos seus olhos azuis. Ela ia dividindo o tempo entre os meus avós e os meus tios. Os meus avós e os meus tios viviam lado a lado e ela passava uma semana em casa de um e outra semana na casa do outro e andava sempre com um saquinho de medicamentos atrás. Eu vivi alguns anos da minha infância e adolescência com os meus avós e cheguei a partilhar cama com ela. Ela rezava todas as noites antes de adormecer, eu ao lado dela só ouvia bbbsssssss, bbsssssss, bbbssssssss, eu gostava sempre de ler antes de dormir. Quando apagava a luz e encostava as minhas pernas nas dela, hummm, que aconchego bom, ela tinha sempre as perninhas tão quentinhas.

Apesar de não ser nova ela mantinha-se muito ativa, ela arranjava sempre o que fazer e nós miúdos, o meu irmão e eu, ás vezes ajudávamos, lembro-me de migar couves para amassar com farelos e dar aos patos, ir ao pinhal apanhar montes de lenha, apanhar musgo no Natal para fazer o presépio, ir apanhar beterrabas, debulhar milho, etc.

Numa dessas tardes quando estávamos no pátio da minha avó ela mostrou-me uma foto do pai, disse-me que ele tinha morrido muito novo, quando ela e os irmãos eram pequenos, num acidente com um carro de bois, lembrava-me de ter visto a foto de um militar jovem, era essa a foto que agora 35 anos depois o meu tio procurava.

A minha avó São casou duas vezes e quando eu a conheci já era viúva dos dois. Por vezes brincávamos a dizer que ela já tinha mandado os dois para a cova, mas ela não gostava dessas brincadeiras, uma vez ficou muito chateada com a meu tio Mário, por ele insinuar que ela teria algo a ver com o infortúnio dos falecidos.

Na festa de aniversário a minha tia Verónica disse que tinha lá em casa uma caixa com fotos, algumas eram da minha avó São, outras da avó Lurdes e do avô Zé, algumas tão antigas que nem ela nem o meu tio sabiam de quem eram. A minha prima pediu que ela trouxesse a caixa e passámos a tarde a ver fotos antigas do nosso passado, estavam lá fotos que a minha avó São tinha guardado, lá estava a foto que o meu tio procurava, fotos que a minha avó Lurdes tinha guardado, fotos de casamento, fotos que os meus pais tinham enviado quando estavam no Canadá, tantas fotos.

Não sabia que havia tantas fotos do casamento dos meus avós. Os meus avós têm uma foto muito gira de namoro, foto que a minha avó guardava numa moldura e que demonstra o carinho e afeto que nutriam um pelo outro e foi assim até ao fim. Ambos já faleceram e onde estão, estão certamente juntos.

Tinham a mesma idade, faziam anos com cerca de um mês e meio de diferença, ele chamava-se José Pedro e ela Maria de Lurdes, sendo da mesma localidade, andaram juntos na escola, embora a minha avó não tivesse aprendido a ler, ela desfrutava imenso era do recreio, ela gostava era de andar a saltar e a pular a brincar. Ainda bem que desfrutou naquela idade, nos últimos anos de vida acabava por ter dificuldade em andar.

Eu sempre conheci os meus avós muito amigos, até nos anos que vivi com eles nunca presenciei nenhuma discussão entre os dois.

O meu avô era aferidor de balanças para a Câmara Municipal, ele conseguia desmontar as balanças todas e voltar a montar e elas ficavam certinhas. Ele tinha a sua bancada com as suas ferramentas todas organizadas e uma bata que ele vestia quando fazia esse trabalho.

O meu avô era uma pessoa muito calma, parecia que acordava sempre bem disposto e tinha sempre uma piada para contar. Ele era espetacular, até a Joana me disse “Ele devia ser mesmo boa pessoa porque ninguém diz nada negativo dele” e é verdade ele era fantástico. Como a minha mãe fez questão de referir no seu funeral em homenagem a ele “ele foi bom marido, bom pai, bom irmão, bom avô, bom tio” era uma pessoa genuinamente boa e que emanava boa disposição. Gosto de pensar que herdei dele essa forma de estar.

Lembro-me de ter que fazer uma maquete de um moinho para a escola em 3 dimensões com uma mó suplente e de ele com um arame e uma caneta bic ter feito um sistema para as velas do moinho rodarem.

Ele tinha muito jeito para as artes, desenhar e pintar, não só pintava as paredes em casa quando era necessário, também pintou 3 quadros com tintas a óleo, uma natureza morta, um quadro com a imagem de uns coelhos e um quadro do Moinho dos Caixeiros (moinho que eu recentemente também pintei, talvez também tenha herdado o seu lado artístico).

Ele era muito amigo da minha avó, uma vez a minha avó estava a fazer marmelada, mas uma grande quantidade de marmelada, era um tacho enorme de marmelos já cozidos que era necessário passar pelo passevit. Com o passevit convencional a tarefa ia demorar horas, o meu avô apareceu em casa com um passevit de tamanho industrial, em poucas horas a tarefa ficou concluída.

Da pequena casa que os meus avós tinham, cederam metade ao meu tio, para ele renovar, quando ele pensou em casar e constituir família.

O meu avô foi diagnosticado com cancro na próstata, lutou de forma corajosa contra a doença durante anos, mas acabou por falecer quando as metástases se espalharam até ao esqueleto.

Lembro-me de uma altura em que ele já estava doente e havia uma festa em casa dos meus pais, a minha avó ao descer os degraus caiu e teve que ir para o hospital e ele estava nessa noite tão preocupado com ela. Ele estava já muito debilitado mas ele estava mais preocupado com ela do que com ele próprio.

Só quando eles fizeram as bodas de ouro é que eu percebi que a minha mãe tinha ido ao casamento dos pais, eles fizeram as bodas de ouro em outubro e a minha mãe nasceu em março e não foi um bebé prematuro, “olha que malandros” pensei eu.

Quando eu soube que estava grávida da Joana já o meu avó estava muito doente, lembro-me de esperar pela ecografia dos 3 meses para começar a contar à família. Estava em casa dos meus pais um dia do fim de semana, tinha esperado para depois do almoço para lhes dar a noticia que iam ser avós, ficámos todos muito contentes e emocionados. Quando os meus avós apareceram depois, também quis contar-lhes a novidade. Optei por mostrar as fotos da eco à minha avó primeiro, o meu avô viu de seguida mas, naquele momento, tentei que ele não começasse a criar uma ligação afetiva, não queria que ele pensasse e sentisse pena por saber que não a ia ver crescer. Ele acabou por falecer quando eu estava grávida de 6 meses.

Partilho convosco algumas das fotos de revi este fim de semana, dos meus avós, em homenagem ao amor lindo que os unia.




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